quinta-feira, 22 de março de 2012

Carta das profundezas - Parte II


Caro Aprendiz Uxe,

Recebi sua carta, e é com grande tristeza que lhe escrevo à respeito deste terrível fato que acabou de lhe acontecer: seu paciente se tornou um cristão. Certamente, você terá que pagar o preço, como é de costume, afinal de contas você decepcionou o nosso Pai nas Profundezas; contudo, devo informá-lo que isto talvez não signifique ainda o fim de sua carreira.

Cristãos recém-convertidos têm algo em comum que pode ser facilmente manipulado e usado em nosso favor. Eles são ingênuos e por isso esperam que aqueles que freqüentam a igreja tenham determinadas atitudes, tais como santidade e perfeição – coisas que, como você e eu sabemos, não se encontram em nenhum outro lugar, senão na fortaleza do nosso Inimigo.

No momento, um dos nossos maiores aliados é a própria igreja. Não me entenda mal. Não me refiro à Igreja como a vemos através dos séculos, estabelecida pela eternidade, temível como um exército com bandeiras. Isto, devo confessar, é um espetáculo que incomoda o nosso mais vil tentador. Mas, felizmente, ela é quase invisível para estes humanos. Tudo o que o seu paciente consegue ver é o prédio da igreja, cuja construção está inacabada, e o povo que a freqüenta.

Quando ele chega à igreja, vê aquele motorista de ônibus cujo olhar lhe parece um tanto malicioso; vê aquela senhora que mora ao lado, conhecida por sua fama de fofoqueira... e muitas outras pessoas que ele preferiria evitar definitivamente. E é exatamente nisto em que você deve se concentrar neste momento: deve fazê-lo olhar à sua volta, ver os erros das pessoas, e finalmente reconhecer que ele é bom demais para se misturar com elas.

É interessante notar que muitos desses ‘novos convertidos’ esquecem seus erros do passado e, de alguma, forma começam a se considerar muito bons e, por que não dizer, melhores que a maioria das pessoas à sua volta. Isto é uma brecha por onde podemos entrar e lhes mostrar cada vez mais erros e fraquezas dos outros. O seu paciente, graças ao nosso Pai nas Profundezas, é um tolo. Após observar mais cuidadosamente as pessoas à sua volta na igreja, ele chegará à conclusão de que a situação em que se encontra é ridícula.

Trabalhe intensamente na sensação de desapontamento que certamente ele terá logo nas primeiras semamas como membro da igreja. O Inimigo permite que os desapontamentos aconteçam para que o nosso paciente use a sua fé e vença os seus primeiros obstáculos sozinho; desta forma, ele ganhará mais força para vencer as perseguições que certamente terá que passar.

E mais, tire proveito da situação agora que o Inimigo está deixando o seu paciente lutar por conta própria. Ele corre todo este risco porque tem um estranho sonho de fazer com que todos estes pequenos vermes humanos se transformem naquilo que Ele chama de servos ‘livres’ e filhos. Quando estes manifestam o desejo de liberdade, Ele se recusa a carregá-los e, por isso, os deixa conquistá-la por si mesmos – e é aí que está a nossa oportunidade!

Lembre-se, no entanto, que e é aí que corremos maior perigo também. Se o paciente conseguir superar essa fase e assim guardar a fé no Inimigo, a sua força será maior – o que torna mais difícil o nosso trabalho de reconquista.

Atenciosamente,

Apolion

Chefe de Legiao

quarta-feira, 21 de março de 2012

Carta das Profundezas - Parte 1



Caro Aprendiz Uxe,

Veio ao meu conhecimento que você quase perdeu uma alma para Ele. Temendo o que possa acontecer em seguida, eu, como seu chefe, devo cuidar imediatamente desse seu erro para não permitir que isso aconteça outra vez.

Após tentar entender o que aconteceu, cheguei à conclusão de que você ignorou algo importantíssimo que lhe ensinei logo no início de seu aprendizado: o uso da emocao e do tempo. Ele levou a sua vitima a pensar nas Promessas dEle. A vitima quase se converteu. Se não fosse a intervenção de Uxecave, ela teria tomado uma decisão que prejudicaria todo o seu trabalho.

Houve uma ocasião em que eu também passei por uma situação semelhante com uma dos minhas vitimas mais fiéis, que, aliás, era ateu. Eu nunca pensei que poderia chegar tão perto de perdê-lo para Ele. Tudo aconteceu num dia como outro qualquer, enquanto ele lia um livro que encontrou por acaso na biblioteca de sua cidade. De alguma forma, aquele livro foi usado pelo Espírito dEle para fazê-lo pensar, e, por alguns intantes, vi minha vitima considerando o que havia lido e, aos poucos, se afastando de sua crença ateística que tanto prezo. Quase pude ver os meus vinte anos de intenso trabalho se esvanecerem como fumaça.

Eu sabia que não havia muito que eu pudesse fazer naquele momento, afinal de contas, é nessas horas que nós demônios sempre perdemos. Como você já sabe, o argumento dEle é sempre muito convincente. Então, imediatamente, resolvi atacá-lo numa área do ser humano que domino bem: lhe sugeri que era o momento ideal para almoçar. Observe que eu ataquei imediatamente. Nós nunca podemos esperar ou deixar que o tempo passe antes que façamos uma nova tentativa. Temos que tirar excelente proveito do nosso tempo.

Tenho certeza de que o Inimigo contra-atacou com sugestões de que aquilo que ele estava lendo era mais importante do que a sua refeição (como você sabe, que nós nunca conseguimos ouvir o que Ele fala com as pessoas, não é mesmo?). Pensando ter sido esse o Seu argumento, fiz surgir a idéia de que, ‘de fato, aquela leitura era mais importante do que a refeição e por isso deveria ser feita num momento mais apropriado, e não num finalzinho de manhã’. Meu paciente despertou consideravelmente; tanto que, mal eu havia sugerido que ‘seria melhor recomeçar a leitura após o almoço, quando sua mente estivesse mais fresca’, e ele já estava metade do caminho em direção à porta de saída.

Uma vez que ele chegou à rua, a batalha foi ganha. Mostrei-lhe muitas coisas que estavam acontecendo ao mesmo tempo: os trágicos eventos mundiais nas manchetes dos jornais, um idoso bêbado olhando para ele sem motivo algum, uma adolescente vestida com uma roupa muito sensual sentada ao seu lado no ônibus, e tantas outras coisas que o distraíram e o fizeram esquecer as coisas escritas naquele livro. Quando finalmente chegou à casa para almoçar, as suas velhas e brilhantes concepções acerca do Inimigo e da vida eterna já haviam retornado ao seus lugares.

É por isso que devemos agir imediatamente quando o perigo se aproxima. Se eu tivesse esperado um pouquinho mais, eu provavelmente o teria perdido. É extremamente importante que você aprenda esta lição. Todas as vezes em que você perceber uma situação de risco da parte do Inimigo, rapidamente traga à baila fatos do dia a dia para que as Palavras e os Argumentos do Inimigo sejam esquecidos ou deixados de lado.

Considere a principal ferramenta do Inimigo: a Sua Palavra. Se você conseguir que o seu paciente se esqueça dela ou que não gaste tempo meditando nela para benefício próprio, você já está um passo à frente dEle.

Atenciosamente,

Apolion

Chefe de Legião

(baseado no livro 'Screwtape' por C.S. Lewis)
Por Cristiane Cardoso